A imprensa e as televisões deram alguma atenção às gargalhadas que se seguiram à afirmação do Presidente do Irão na Universidade de Columbia, no início da semana: "No Irão não há homossexuais. Não sei quem lhes disse que tínhamos lá isso."
É fácil rir deste tipo de "bocas", mas isso pode ser compatível com uma visão turva das coisas. Quando perguntaram a Ahmadinejad, nessa sessão, porque executavam homossexuais no Irão, o Presidente respondeu com um desvio, mais ou menos assim: nos Estados Unidos também se executam traficantes de droga, porque eles são maus para a sociedade. E parece que esta justificação mereceu uma ovação da estudantada.
Mas o subproduto mais curioso, embora não o mais surpreendente, da presença de Ahmadinejad na Universidade, é a tomada de posição da Columbia Queer Alliance:
Não temos a pretensão de compreender as múltiplas e diversas experiências de viver com desejos pelo mesmo sexo (repare-se no cuidado com a terminologia) no Irão. Os nossos valores culturais e experiência são diferentes, mas a questão é a mesma: o direito humano essencial de exprimir livremente os desejos.
Além disso, gostaríamos que os media e as organizações estudantis fossem cautelosos com o uso dos termos "gay", "lésbica", "homossexual" para descrever as pessoas que no Irão se envolvem em práticas com o mesmo sexo e sentem desejo pelo mesmo sexo. A construção da orientação sexual como identidade social e política, e todo o inerente vocabulário, são um produto cultural ocidental. Por isso, os estudiosos da sexualidade no Médio Oriente usam em geral termos como "práticas com o mesmo sexo" e "desejo pelo mesmo sexo", como reconhecimento da inadequação da terminologia ocidental. A presença do Presidente Ahmadinejad no campus constituiu um estímulo para reflectirmos sobre várias questões, mas o que mais nos interessa são as complexidades de como a identidade sexual é construída e compreendida em diferentes lugares do mundo.
Compreende-se que não seja dada muita atenção a posições como esta. Seria indelicado para com Ahmadinejad: estes tipos são bem mais cómicos que o Presidente.
domingo, setembro 30
sexta-feira, setembro 21
A revista
Por iniciativa da Cãmara de Lisboa, vem aí a recuperação do Parque Mayer com "qualquer coisa de teatro de revista", segundo o PÚBLICO de hoje. É um género que "tem público", dizem eles. Terá? Bem, de acordo com o cartaz dos teatros, só se classificarmos a Música no Coração como revista à portuguesa.
Juntando as peças, no entanto, certas coisas passam a fazer sentido.
Até 1973, no Teatro maria Vitória encenavam-se duas ou três revistas por ano; "Ver, ouvir e calar" teve o seu nome alterado para "Ver, ouvir e falar" em 1974, e daí em diante, foram raros os anos em que mais de uma revista subiu à cena, até à quase extinção da actividade.
As recentes iniciativas do governo para limitar a liberdade de expressão mais não são, certamente, que um convite à criatividade dos autores de revista. Num tempo em que as piadas de sexo se banalizaram, a revista não pode sobreviver sem a aparência de furar uma censura qualquer. Recriando um ambiente com suaves reminiscências de Estado Novo, talvez a revista à portuguesa seja de novo viável. Está em marcha a "criação de novos públicos", que muitos tanto apreciam referir. Afinal é tudo pela arte.
(Foto: http://germana-teatro.blogspot.com/)
domingo, setembro 16
O não debate
É uma óptima ideia que o debate entre Mendes e Menezes vá sendo sucessivamente adiado. Poupa-se uma hora de bocejo a quem cair na armadilha de assistir. Antes um documentário no Discovery sobre a essência do murro de Scolari, ou um filme porno com as personagens vestidas.
sábado, setembro 15
Vila Real de Santo António
Soube-se há dias, num jornal e numa televisão, que dezenas de doentes portugueses estão a receber tratamento oftalmológico em Cuba, pago pela câmara municipal de Vila Real de Santo António. É notícia com significado porque começa por ter como pano de fundo a ineficácia do nosso serviço nacional de saúde. Ainda bem que aquelas pessoas viram os seus problemas de visão resolvidos, e não ponho em dúvida a qualidade do tratamento, tanto mais que neste caso há em jogo uma mais valia publicitária para o regime da ilha. Também admito que não havia alternativas num raio de 8000 quilómetros. De qualquer modo, não há operações a cataratas grátis. Para já, sabemos que a autarquia transferiu 50 mil euros para, como é descrito no boletim municipal, reconstrução de um Parque Infantil e respectiva Creche. A referida Creche, situa-se no Pólo Cientifico de Engenharia
Genética e Biotecnológica da cidade de Playa e destina-se a
acolher os filhos dos trabalhadores.
Como parece óbvio que a autarquia pagou também pelo menos as viagens, seria interessante fazer o balanço financeiro do acordo. Admito que se tenha conseguido um bom preço, caso em que conviria realizar um protocolo do SNS com o sistema de saúde cubano, abrangendo muito mais municípios e muito mais especialidades. Se não, quando me reformar vou procurar casa em Vila Real de Santo António.
Genética e Biotecnológica da cidade de Playa e destina-se a
acolher os filhos dos trabalhadores.
Como parece óbvio que a autarquia pagou também pelo menos as viagens, seria interessante fazer o balanço financeiro do acordo. Admito que se tenha conseguido um bom preço, caso em que conviria realizar um protocolo do SNS com o sistema de saúde cubano, abrangendo muito mais municípios e muito mais especialidades. Se não, quando me reformar vou procurar casa em Vila Real de Santo António.
sexta-feira, setembro 14
Não souberam a tempo
O Human Rights Watch está preocupado com o fecho de Guantanamo. Parece que a administração americana está a mandar para casa alguns detidos sem garantias de que vão continuar a ter o tratamento de que dispunham na ilha. O caso dos tunisinos Abdullah al-Hajji Ben Amor e Lofti Lagha tem sido muito comentado na imprensa: em face da sua situação actual na Tunísia, dizem que se soubessem o que os esperava ter-se-iam oposto à libertação.
quarta-feira, setembro 12
Uma bomba amiga do ambiente
A notícia surgiu ontem ao fim do dia. A Rússia de Putin executou o teste da sua nova e revolucionária bomba: com menor carga explosiva, consegue duplicar o poder destruidor da MOAB dos EEUU (a "mãe de todas as bombas"; esta é o "pai"). Uma vitória da nanotecnologia. Graças a uma altíssima temperatura e a uma onda de choque ultra-sónica, tem um poder de destruição devastador. Tudo limpo, sem radiactividade nem danos para o ambiente. Um general russo comentou que a Rússia estava assim apta a combater o terrorismo internacional em qualquer situação e em qualquer região.
A Rússia comemorou assim, com discreta conspicuidade, o aniversário do 11/9.
segunda-feira, setembro 10
A vida real
(Numa sexta feira, num intercidades da linha do norte)
-Oi, então, mais um fim de semana?
-É verdade. Um esticão até Setúbal.
-Onde é que trabalhas agora?
-Em Vitória. O ano passado era em Pamplona mas já deixei.
-...
-Ando farto desta merda. Às vezes passa-me pela cabeça arranjar maneira de ficar no fundo de desemprego.
-?
-...
-Olha, não te metas nisso que os gajos andam em cima e lixas-te. Não há nada como dormir descansado.
-O patrão agora já não está lá, é o filho que manda. Se fosse com o pai... O filho é só roubar.
-...
-Quando posso também o lixo, um dia não fui e não deram por nada, pagaram tudo.
-...
-Hoje trabalhei até ao meio dia. Tinha a mala pronta.
-E até quando ficas lá em baixo?
-Domingo levanto-me à um quarto prás quatro, chego lá tomo banho e começo a trabalhar lá prás 10, à noite desforro-me a dormir.
-Então e o Leandro continua lá?
-Esse arranjou uma hérnia discal, nem pode ser operado.
-Então e está lá a fazer o quê?
-Não sei, está de baixa. Não pode fazer força.
-Mas pode conduzir?
-Todo esticado. Cá por mim não deve estar lá muito tempo. Deve vir de lá despachado de alguma maneira.
-Ainda faltam duas horas para Lisboa.
-É verdade. Vou dormir um bocado.
domingo, setembro 2
Minneapolis story
Já muito se escreveu sobre o escândalo que levou o republicano Larry Craig a anunciar a sua demissão. Dos jornais à internet, não faltam opiniões sobre o caso para todos os gostos e até está disponível uma reconstituição do episódio em video.
Não há ponta por onde se pegue para simpatizar com Craig: parece que o homem não se notabilizou por nada em particular e, tendo tomado posições que sistematicamente contrariam a luta pelos direitos de pessoas homossexuais, a primeira tentação diante do que lhe aconteceu é dizer que "é bem feito".
A historieta tem, no entanto, aspectos muito curiosos. Não admira: a invenção mais rica é a da própria realidade. Por exemplo, ficamos a saber que este simpático e promissor polícia, que obteve o ano passado um mestrado em justiça, chefia e educação, parece ter agora como missão ficar sentado numa retrete de aeroporto à caça de homossexuais à procura de sexo no lavabo. Parece que já prendeu 12 este verão. Uma eficácia notável, só explicada, certamente, pela alta qualificação académica do rapaz.
Nada surpreendente é o facto de sites "gay", como este, rejubilarem com a divulgação do caso. Dado que nesses sites (próximos das correntes ditas "liberais" nos EEUU) não há economiza de apelos à satisfação sexual pura e simples, há pouca dúvida sobre o que realmente os excita: o facto de Craig ser republicano. Não lhes interessa, neste particular, que o homem tenha sido atingido por via de um comportamento de características "gay" e, certamente, por ser figura pública (dos outros 11 não ouvimos falar).
Finalmente, a questão da hipocrisia de Craig, abundantemente apontada a dedo pelos observadores, é talvez o aspecto mais ambíguo e ilusório de tudo o que rodeia o episódio. Quando Craig afirma, no discurso em que anuncia a demissão, que não é "gay", provavelmente não mente. Provavelmente ama a mulher e a família. Provavelmente é apenas um de uma multidão de homens cuja vida heterossexual não é de fachada mas que frequentemente são tentados por uma variação e tentam satisfazer-se com uma companhia rápida e anónima. A sua posição e o modo e o lugar que escolheu tramaram-no. Provavelmente o homem nem sequer é incoerente, lá por ter votado contra os casamentos homossexuais: a simples ideia de viver com outro homem pode ser-lhe repugnante.
Lawrence Durrell explicava, na abertura do seu "Quarteto", que há mais de cinco sexos e só o grego popular conseguia diferenciá-los. Os tristes vocábulos e siglas modernas, politicamente correctos ou não, inventados para descrever os sexos ou, talvez, novas bandeiras de luta, vão apenas encobrindo no seu esquematismo pobre uma complexidade de que sabemos pouco.
Não há ponta por onde se pegue para simpatizar com Craig: parece que o homem não se notabilizou por nada em particular e, tendo tomado posições que sistematicamente contrariam a luta pelos direitos de pessoas homossexuais, a primeira tentação diante do que lhe aconteceu é dizer que "é bem feito".
A historieta tem, no entanto, aspectos muito curiosos. Não admira: a invenção mais rica é a da própria realidade. Por exemplo, ficamos a saber que este simpático e promissor polícia, que obteve o ano passado um mestrado em justiça, chefia e educação, parece ter agora como missão ficar sentado numa retrete de aeroporto à caça de homossexuais à procura de sexo no lavabo. Parece que já prendeu 12 este verão. Uma eficácia notável, só explicada, certamente, pela alta qualificação académica do rapaz.
Nada surpreendente é o facto de sites "gay", como este, rejubilarem com a divulgação do caso. Dado que nesses sites (próximos das correntes ditas "liberais" nos EEUU) não há economiza de apelos à satisfação sexual pura e simples, há pouca dúvida sobre o que realmente os excita: o facto de Craig ser republicano. Não lhes interessa, neste particular, que o homem tenha sido atingido por via de um comportamento de características "gay" e, certamente, por ser figura pública (dos outros 11 não ouvimos falar).
Finalmente, a questão da hipocrisia de Craig, abundantemente apontada a dedo pelos observadores, é talvez o aspecto mais ambíguo e ilusório de tudo o que rodeia o episódio. Quando Craig afirma, no discurso em que anuncia a demissão, que não é "gay", provavelmente não mente. Provavelmente ama a mulher e a família. Provavelmente é apenas um de uma multidão de homens cuja vida heterossexual não é de fachada mas que frequentemente são tentados por uma variação e tentam satisfazer-se com uma companhia rápida e anónima. A sua posição e o modo e o lugar que escolheu tramaram-no. Provavelmente o homem nem sequer é incoerente, lá por ter votado contra os casamentos homossexuais: a simples ideia de viver com outro homem pode ser-lhe repugnante.
Lawrence Durrell explicava, na abertura do seu "Quarteto", que há mais de cinco sexos e só o grego popular conseguia diferenciá-los. Os tristes vocábulos e siglas modernas, politicamente correctos ou não, inventados para descrever os sexos ou, talvez, novas bandeiras de luta, vão apenas encobrindo no seu esquematismo pobre uma complexidade de que sabemos pouco.
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