segunda-feira, março 26

Viva Sevilla!


Os andaluzes afinal não castigaram ninguém ontem, ao contrário do que previam as bocas e rumores disfarçados de estatística científica. A derrota do PSOE tem, afinal, um suave gosto a vitória. Nem ERES, nem cocaína, nem nepotismos são razão suficiente para abalar a fidelidade a um partido em que se acredita por razões muito práticas. A Andaluzia tem o PSOE no coração, muitos subsídios na carteira, e não se impressiona com escândalos. A qualidade e atitude do adversário (o PP tem também os seus escândalos que nunca sacode a tempo; o governo central retarda a publicação do orçamento com um calculismo que não funcionou) ajudaram a inverter o sentido esperado dos acontecimentos. Mas, passada a surpresa doce-amarga de uma vitória e uma derrota que parecem trocadas, os tempos que aí vêm não serão suaves para ninguém no sul da Ibéria.

No som do video: La Argentinita acompanhada por Federico Garcia Lorca.

sexta-feira, março 23

Em Espanha, bons casamentos

Primeiro foi a contratação do marido de Dolores de Cospedal, abortada à nascença. Agora há novo marido (logo o da vice-presidenta!) a entrar pela porta grande, desta vez na Telefónica. Pode estar tudo dentro da legalidade formal, pode o governo do PP vir lembrar que o homem é muito competente e que a Telefónica é privada, ou talvez nem devesse meter-se no assunto, já que assim é. Será? Não nos dêem música. Os que mandam em empresas importantes gostam da proximidade dos que mandam no país, isto é, os que têm a capacidade de movimentar dinheiro de impostos. O PP em Espanha continua assim, à sua maneira, a tradição de protecção à família em que o PSOE tem sido pródigo, particularmente com os recentes escândalos da corrupção andaluza.

O estrito apego às balizas da legalidade traduz-se na cegueira moral que se compreende tanto menos quanto maiores são as dificuldades por que passa grande maioria dos cidadãos. A insensibilidade moral dos partidos do poder arrasta consigo o desprezo da democracia e a corrosão dos regimes.

Ou todas estas objecções resultam só de má vontade e despeito de quem critica? No fundo, que importância terá que o Sr. A seja casado com a Sra. B? Não é ponto assente, por exemplo, que a infanta Cristina estava a leste das urdiduras do esposo? Deixemo-nos de preconceitos conservadores e sejamos felizes com as verdades oficiais para totós.

Metro de Lisboa chega ao aeroporto em julho

Diz o site da rtp. Poderia acrescentar: e que sorte que tivemos. Por pouco o aeroporto poderia já lá não estar quando o metro chegasse.

quarta-feira, março 21

Londres, farol do Islão

Ainda não é. Mas é o que o candidato do Labour a mayor de Londres promete para os próximos quatro anos: dar a conhecer a todos os não muçulmanos a mensagem do Profeta. Vale tudo para caçar votos.

sexta-feira, março 16

domingo, março 11

Sangue fácil?

Já fora do tempo, vi recentemente o filme muito apreciado de João Canijo "Sangue do meu sangue". Gostei de algumas coisas mas não tanto de outras.

Gostei do trabalho dos actores, excelentes, com excepção do "Beto", que parece estar noutro filme. Diga-se que a inconsistência da personagem, e do que lhe está atribuído no enredo, não ajudam nada. Gostei do realismo logrado na elaboração dos diálogos (excepto cenas com Beto) e na utilização da câmara "cusca", mas parte do efeito fica perdido na dicção frequentemente incompreensível e nas cenas sobrepostas, denunciando que o filme foi pensado para festivais internacionais onde é projectado com legendas. Fica o retrato razoavelmente conseguido de uma fauna de bairro pobre que a inteligentsia contempla com um misto de culpa e enlevo e que garante o sucesso relativo do filme. E sobra um problema grande: o enternecimento com que o Bairro nos é mostrado é destroçado pelo esquema fácil que rebenta com o argumento do filme. Refiro-me à paternidade do amante. É piroso demais. Por outro lado, depois do tiro as personagens são abandonadas logo ali à sua sorte. Fiquei com a impressão incómoda de que os habitantes do Padre Cruz mereciam um argumento menos preguiçoso. No entanto, depois de mais de duas horas onde há um punhado de cenas de bom nível artístico e técnico, ficamos com a impressão de realmente ter visto um filme. É este o segredo do sucesso.

A foto é do Luxury and Lust.

sábado, março 10

O mais comentado nesta manhã de sábado

Acha normal que DSK dê conferências em universidades? FIGARO
Sarkozy reconhece a dívida da França aos harkis LIBÉRATION
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Ana Manso demitiu o marido em nome da transparência DIÁRIO DE NOTÍCIAS
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E ainda, sem comentários:

Proibido contratar portugueses LA VOZ DE GALICIA

sexta-feira, março 9

À escuta de Laura

Laura Gómiz é uma mulher muito bonita. E, de acordo com notícias dadas nos últimos dias em alguns jornais espanhois, o que lhe abunda em beleza escasseia-lhe em escrúpulos. Presidente até há dias da Invercaria, sociedade de capital de risco ligada ao governo andaluz, esta socialista exemplar foi gravada em crispado diálogo com um subordinado, Cristóbal Santos. Laura insiste com Cristóbal para que falsifique documentos que justifiquem a passagem de milhões para empresas amigas do PSOE andaluz.

As gravações efectuadas são muito extensas. Fica aqui em copy-paste um pequeno trecho elucidativo. Tem qualidade literária suficiente para servir de modelo a autores de telenovelas.

- Gómiz: "Bueno, vale, Cristóbal. Entonces, ¿qué me estas diciendo? ¿Que no vas a hacer los… los…?".



- Colón: "Escúchame: yo no puedo hacer un informe que no es cierto. Yo te… tú me encargas un informe. Yo te hago y te pongo la verdad. Y tú decides si merece la pena o no".


- Gómiz: "Bueno, Cristóbal, entonces no me vales como trabajador de Invercaria. Yo soy la primera que ha recomendado que montemos los expedientes de todas las empresas en las que hemos entrado».


- Colón: "Perfecto, pero con fecha de hoy, ¿no, Laura?"


- Gómiz: "Con fecha de qué?"


- Colón: "De hoy. Es decir, se hace un plan de negocios hoy".


- Gómiz: "¡No! ¡Y dale con la fecha! ¡No le pongas fecha! La fecha en la que nos... Anterior. Y tú dices: no lo hago... No se hace".


- Colón: "Eso es un informe falso, Laura".


Em Espanha, trechos de escutas originais são transmitidos nas rádios em versão audio. Estas escutas a Laura Gómiz estiveram disponíveis em versão sonora no sítio do diário ABC durante todo um dia. Posso assegurar que as interpretações do texto eram bastante boas.
Nós por cá somos mais comedidos: excertos de escutas são lidos por locutores, ou então publicados em versão de banda desenhada. Ficamos sem saber se os actores tiveram nível.

segunda-feira, março 5

O paradoxo gramatical de João e Maria

Uma das derivas mais fascizantes do politicamente correcto é a tentativa de policiar a linguagem.

Entre nós, por enquanto não se tem passado da idiotia pleonástica do portugueses e portuguesas, trabalhadores e trabalhadoras, abundantemente utilizada desde Guterres, se não erro, e copiada com muito gosto pelos dirigentes do PCP. Mais recentemente tivemos também umas frases de origem difusa que metiam presidentas.

Em Espanha, para obviar ao problema da invisibilidade da mulher, surgiram nos últimos anos vários guias de linguagem não sexista. Ali a coisa é a sério, contou com o apoio do Ministério da Igualdade e mobilizou as autonomias, partidos, sindicatos e, claro, universidades, lugares que se prontificam a dar guarida e apoio a uma mão cheia de ideias lastimáveis.

A Real Academia Espanhola, depois de anos de silêncio, decidiu agora intervir publicamente com uma crítica fundamentada. Para além de inestética e criadora de embaraços gramaticais inúteis, a linguagem não sexista, chamemos-lhe assim de acordo com os promotores, incorre no vício despótico de aprofundar o fosso entre a linguagem da gente normal e a língua dos burocratas e redactores de documentos oficiais.

O controleirismo linguístico põe-se a jeito para questões difíceis e com alguma comicidade. Qual será a maneira não-sexistamente correcta de dizer João e Maria vivem juntos? Se há dirigentes dos dois sexos numa dada organização, está certo afirmar os dirigentes virão ao jantar acompanhados das suas mulheres? Este e outros quebra-cabeças para a gramática e para os ditadores do discurso estão analisados no interessante artigo de Ignacio Bosque publicado no El País.

domingo, março 4

A carruagem nº 4

Os sindicatos espanhois preparam-se para grandes movimentações de massas no próximo 11 de março. Em homenagem às vítimas do atentado de há 8 anos, dizem eles, que curiosamente ainda não se tinham lembrado delas. Os pilotos da Iberia tiveram o bom senso de marcar uma das suas greves para uma semana mais tarde, coincidindo com o dia de S. José que sempre é um santo operário como eles.

Entretanto, enquanto a casa real é seriamente salpicada com relatos sobre tropelias financeiras do genro do rei e Rajoy grita o seu Arriba España! enfrentando a UE, é com muita discreção que os jornais anunciaram há dois dias que o procurador geral ordenou a investigação dos restos da carruagem nº 4 do comboio de Santa Eugénia. Aparentemente, só falaram do assunto o Libertad Digital e, por razões opostas, o El País. Contrariamente às outras carruagens, a nº 4 não foi completamente desmantelada e poderia conter vestígios que (finalmente) produzissem prova do explosivo utilizado pelos terroristas. O jornalista que conduziu a longa e paciente investigação para descobrir os restos do nº 4 explica aqui a importância que atribui ao achado.

Mesmo entre os que acreditam que o julgamento do 11 de Março se baseou em factos fabricados e ocultação de provas, é cautelosa a esperança de que a análise dos vestígios traga novidades significativas. Tanta é a cautela que alguns comentadores já elaboram conspiração em 2º grau: polícia e investigadores fieis ao governo anterior e à verdade oficial poderiam ter contaminado o nº 4 com o explosivo que é mencionado na sentença.

Escreveu Mateus que  nada encoberto deixará de ser revelado, e nada oculto deixará de vir a ser conhecido. O que não sabemos da vida mostra o contrário.

quinta-feira, março 1