quarta-feira, outubro 21

O plágio indecoroso

No princípio Deus criou o céu e a terra. A terra era vazia e informe; e as trevas cobriam a face do abismo. O Espírito de Deus movia-se à face das águas.
E Deus disse, Haja Luz: e houve luz.
Deus viu a luz e viu que era boa: e separou a luz das trevas.
À luz chamou Dia e às trevas Noite. A noite e a manhã foram o primeiro dia.

Esta linguagem poética sofisticada é obviamente uma cópia de Saramago. A vírgula a introduzir sistematicamente o discurso directo, a narrativa hipnótica, a efabulação abundante não enganam ninguém. Até tem logo no início um episódio copiado do último romance do ibérico nobelizado, e lá para o fim aparecem quatro (quatro!) evangelhos copiados de um livro mais antigo do celebrado escritor, com esse nome. Isto é indesmentível. Tem muito mais histórias de amores e ódios e doutrina e violência, que quase certamente, temos razões para suspeitar agora, foram copiadas de manuscritos que Saramago tem na gaveta. É por isso compreensível a fúria do escritor. Só não se percebe porque é que o insigne plumitivo não move um processo de plágio ao críptico autor. Com tanto jornalista no encalço, iriam descobri-lo sem demora. Escusava de se desculpar com um Deus que ele sabe não existir. Saramago está a gozar connosco. Saramago não é de fiar.

Post scriptum não irónico: este episódio deu oportunidade a umas figuras caricatas para aparecerem em público, umas para exibirem no contra-ataque uma repetição de ridículos passados, outras para "discutirem" com o escritor. Era melhor, ao contrário do que diz o título de um outro livro, que não trocassem mais palavras sobre o assunto. Ninguém está preocupado com ele, como comprovaram quatro tristes contra-manifestantes de uma seita evangélica de que não recordo o nome, que as televisões ontem (sábado) humilhantemente mostraram, em Penafiel, surpreendidos por não ter aparecido mais ninguém...

Quanto a Saramago, é feio dizer tanto mal de um livro bem escrito (mesmo que não se simpatize com o conteúdo e as interpretações que os crentes lhe dão), que já lhe proporcionou histórias para duas novelas e cujo estilo narrativo o influencia, talvez sem se dar conta, há muito.

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