Enquanto a Paddy Power abriu apostas de que a curto prazo se vão encontrar provas científicas da existência de Deus, há gente amargurada com a crendice e a fé dos seus semelhantes (salvo seja). Para lutar contra a ignorância - ou, quem sabe mesmo, a estupidez geral - Richard Dawkins é um empenhadíssimo apoiante da original campanha publicitária que vai ser lançada no Reino Unido: faixas em autocarros com a frase Provavelmente não há Deus, por isso deixe de se preocupar e viva a sua vida.
Dawkins está convencido de que a campanha ateísta vai fazer as pessoas pensar. Para Dawkins, uma funcionária da British Airways despedida por usar crucifixo ao peito tem a cara mais estúpida que já viu.
Confesso que já não viajo ao Reino Unido há uns anos e por isso tenho dificuldade em compreender a luta de Dawkins. Imagino que actualmente não se deve poder atravessar uma rua sem ser interrompido por uma procissão e incomodado pelo cheiro a incenso. E provavelmente em cada esquina onde havia um pub há agora uma igreja, tendo o heavy metal e o punk dado lugar a cânticos e orações.
Não, se fosse assim já se sabia. Estou muito desiludido com Dawkins. Primeiro, nem lhe passa pela cabeça que muitos ficarão ainda mais preocupados com a possibilidade de Deus não existir. Até Saramago, a quem o problema de Deus também muito importa, é muito mais razoável sobre a matéria: apesar de ter a certeza de que ninguém faz nascer o Sol cada dia e a Lua cada noite, o escritor reconhece a dificuldade que os próprios ateus têm em arrancar Deus de dentro das nossas cabeças.
O escritor é neste ponto mais lúcido do que o cientista. Ele quase toca no ponto que é verdadeiramente relevante e que é mascarado pelas ambiguidades do significado de "existir".
Eu dou um exemplo: os números 1, 2, 3, 0,823, -3,14159 ... existem? Talvez a Paddy Power abra apostas de que alguém vai encontrar no mundo real, finalmente, a base dos logaritmos neperianos, o Pi ou mesmo o número 5. Mas do que não há dúvida é de que os números têm sentido para nós. Conseguimos comunicar ideias e regras que os envolvem, e com isso fazer cálculos para viajar até à lua ou para construir o computador em que teclo. Há, incorporado em nós, um software próprio para isso. Então, existir dentro das nossas cabeças não é já um grau de existência bastante?
Provavelmente temos também um software para comunicar sobre Deus. E o resultado é visível em séculos de história.
Quanto à campanha dos autocarros, e tratando-se do Reino Unido em 2008, julgo que só por distracção não foi previsto traduzir a pequena frase em árabe.
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