O Fernando Rosas e outros irritados com o lapso de Cavaco e no Chiado há uma estátua de um gajo que escreveu isto:
Se a alma que sente e faz conhece
Só porque lembra o que esqueceu,
Vivemos, raça, porque houvesse
Memoria em nós do instincto teu.
Nação porque reincarnaste,
Povo porque resuscitou
Ou tu, ou o de que eras a haste –
Assim se Portugal formou.
Teu ser é como aquella fria
Luz que precede a madrugada,
E é já o ir a haver o dia
Na antemanhã, confuso nada
"Raça" tem uma conotação política antipática no antigo nome do dia 10 de junho. As palavras adquirem maldição por via das bocas que as pronunciaram. Os tempos presentes inventaram outras maneiras, mais suaves, de reconhecer que não somos meros clones uns dos outros. Quem enche o discurso com etnicidade, traço identitário, autenticidade, fica até muito bem visto pelo cânone do gosto contemporâneo.
O novo regime rebaptizou a data com uma designação anódina. O 10 de junho é simplesmente um feriado que cai bem, sobretudo se está bom tempo. Chamar-lhe dia do traço identitário só iria piorar as coisas.
Nada disto tem a ver com o lapso. Quando uma pessoa envelhece e está sujeita a um ritmo de vida esgotante, e em que a toda a hora lhe fazem perguntas, facilmente se sujeita às traições da memória: falando de improviso, recorda mais facilmente um nome simples aprendido na infância do que um nome improvável a pingar artificialidade. Cavaco precisa de repouso.
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