domingo, março 14

Alicia Gámez

O nome de Alicia Gámez aparece nas notícias dos últimos dias. Para lá do drama pessoal do cativeiro desta e de outros sequestrados, o contexto é particularmente fascinante pela banalização do encobrimento da verdade e consequente impossibilidade prática de virmos algum dia a conhecê-la. Resta-nos, espectadores das mentiras ditas ou escritas, nos casos em que versões discordantes podem equivaler-se em versosimilhança, tomar partido por fé ou convicção ideológica.

Dizia o El País que, segundo os raptores, intitulados Al-Qaeda no Magrebe, a libertação de Alícia (agora irmã Aicha) se deveu ao seu estado de saúde e à sua conversão voluntária ao Islão. Mas o médico que a examinou no dia da libertação encontrou-a bem. O artigo do jornal não faz qualquer comentário sobre a conversão mas ele merece no mínimo dois. Primeiro, depois de cem dias de cativeiro, é tão verosímil uma livre conversão ao Islão como que o terramoto do Haiti seja uma manobra militar dos Estados Unidos. Depois, há esse outro aspecto interessante - e humilhante para Espanha - de o tempo da libertação coincidir com o aniversário do 11 de Março. Para além da mensagem do grupo terrorista ao povo espanhol, é credível num primeiro momento que lhes interessasse assinalar a data. Mas nem tudo joga tão certo. Apesar de não ser reconhecido pelo governo espanhol, fala-se do pagamento de resgate, um punhado de milhões de dólares. E por outro lado o comunicado AlQaedino afirma "Los detenidos en España [na sequência do 11 de Março] acusados de terrorismo, de los que se dice que están vinculados a nosotros, son personas inocentes, que no tienen ninguna relación con nosotros, ni de cerca, ni de lejos". Pelo menos por mera prudência intelectual, temos de conceder um lugar à hipótese de se tratar de um bando delinquente que vive de resgates, restando na esfera do impenetrável se a libertação naquela data foi imposição dos raptores, porque certamente quem paga tenta negociar as melhores condições. A quem interessa, afinal, a bofetada de assinalar o 11 de Março (que o Congreso acaba de tentar apagar, transferindo a homenagem às vítimas de terrorismo para 27 de Junho)? Os mistérios que persistem após o julgamento do 11 de Março são muitos e levam-nos a terreno onde nada é óbvio. Mesmo do lado do PP (supostamente o partido mais prejudicado com o acto e a gestão subsequente do processo) as vozes que polida e discretamente, na net, falam em "verdade jurídica" não explicam porque é que nunca, na assembleia de deputados, levantaram qualquer questão ou pediram algum esclarecimento. A questão do Goma-2 pode ficar para um futuro thriller, provavelmente com dois ou três finais diferentes.

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