Há precisamente 345 anos, terminava o tempo de Pierre de Fermat, a quem ficámos a dever, entre outras contribuições de relevo, os fundamentos da optimização, e em cujo trabalho assentou em grande parte o cálculo infinitesimal desenvolvido por Newton.
Com o seu método dos máximos e mínimos, interpretou a lei da refracção da luz, descoberta por Snell, à luz de um problema de mínimo. A elegância do resultado oculta o mistério da suposta intencionalidade da natureza, subjacente à formulação variacional.
terça-feira, janeiro 12
Conto de Verão
Terminou neste inverno o tempo de Eric Rohmer. Do que dele vi guardo uma memória particularmente agradável do Conto de Verão: não sei se lhe chame uma obra prima, mas é de certeza uma pequena joia. Não virado para os "grandes dramas" da existência humana, é uma enciclopédia das suaves alegrias e desilusões que compõem a simplicidade aparente dos dias. Dos diálogos perfeitos e da magistral encenação recorda-se o nome do lugar (Dinard) e das pessoas: Gaspard, com uma licenciatura fresca em matemática, a namorada e as outras duas (Lena, Margot, Solène), e ainda uma praia fria e corações por vezes quentes. Por fim, a impossibilidade de escolha que leva Gaspard a optar por comprar um gravador. (De bobines, na época.) Não era happy end nem triste também. Só a vida a rolar.
sábado, janeiro 9
A derrota das palavras
Ontem foi um dia memorável para os que se ocupam da burocracia da educação ao mais alto nível. Palmas para a nova ministra, que surge com imagem de quem negocia com flexibilidade e que no final dá conta do resultado na voz embaladora e arredondada de quem conta um conto. Palmas para aqueles homens que fazem o papel de representantes dos professores, por poderem dizer que a ministra cedeu, permitindo que os "bons" cheguem ao topo da carreira depois de 40 anos de exercício.
Sucesso sem grande custo imediato para uma e outros. Mas sem interesse nenhum para a qualidade do ensino e provavelmente com um impacto marginal para os professores: com o que já se sabe que é a vida nas escolas e com o que mais por aí se poderá arranjar, o fim virá antes do topo, porque poucos vão aguentar os tais 40 anos.
De um ponto de vista mais orwelliano e estruturalista, confirma-se após todo o processo que fica a perder a palavra "Bom". Independentemente de sabermos se a avaliação utilizará critérios adequados para atribuir as classificações, o que é certo é que "Bom" passará a significar "assim-assim", "menos mau", "sofrível". Isso é o que já sucede no âmbito mais restrito da classificação das unidades de investigação (onde, diga-se de passagem, os critérios correspondem a realidades mais nítidas do que no caso da avaliação de professores). Aí toda a gente interiorizou que um centro de investigação "Bom" é apenas uma cruz que a universidade tem de tolerar à espera de dias melhores.
Sucesso sem grande custo imediato para uma e outros. Mas sem interesse nenhum para a qualidade do ensino e provavelmente com um impacto marginal para os professores: com o que já se sabe que é a vida nas escolas e com o que mais por aí se poderá arranjar, o fim virá antes do topo, porque poucos vão aguentar os tais 40 anos.
De um ponto de vista mais orwelliano e estruturalista, confirma-se após todo o processo que fica a perder a palavra "Bom". Independentemente de sabermos se a avaliação utilizará critérios adequados para atribuir as classificações, o que é certo é que "Bom" passará a significar "assim-assim", "menos mau", "sofrível". Isso é o que já sucede no âmbito mais restrito da classificação das unidades de investigação (onde, diga-se de passagem, os critérios correspondem a realidades mais nítidas do que no caso da avaliação de professores). Aí toda a gente interiorizou que um centro de investigação "Bom" é apenas uma cruz que a universidade tem de tolerar à espera de dias melhores.
domingo, janeiro 3
AVATAR
Por muito desprezo que tenha pela carga de ideologia vulgar que o impregna e pela pobreza do argumento, por muito que o meu nariz tenha sido massacrado sob o peso dos óculos para 3D, e mesmo apesar de alguma dor de cabeça proveniente da profundidade do campo visual (a única que o filme comporta), seria uma piada fácil e desonesta dizer que este filme em relevo não é relevante. É-o, sem dúvida, porque a sua mensagem chega a muita gente. Chega, em particular, a muitas crianças - as mais indefesas diante deste brinquedo, esta stunning visual experience, como gostam de dizer os críticos.
À saída pensei: Cameron poderia ao menos ter ultrapassado o excessivo convencionalismo se no final tivesse deixado sobreviver o Jake humano e não o avatar, e se o amor de Jake e Neytiri tivesse persistido para lá da fronteira das espécies. Mas um minuto de reflexão mostra que isso seria impossível: poria em dúvida o profundo ódio que o filme destila a tudo o que é humano.
Fico por aqui, porque muito mais interessante do que qualquer coisa que eu pudesse acrescentar é a discussão gerada por yosoyhayek no La Libertad y la Ley.
sábado, janeiro 2
Mensagens de ano novo
As mensagens de ano novo de importantes figuras públicas contêm excrescências deslocadas. Tal como um corpo vivo, um texto tem a capacidade de desenvolver tumores. O Papa e o cardeal patriarca de Lisboa assumem a causa das degraças globais que espreitam e apelam a uma responsabilidade ecológica mais ampla e aprofundada e à salvaguarda do planeta. D. Manuel Clemente, também eco-preocupado, assume uma causa do PCP e declara desejar um mundo menos consumista. Com esta confusão de papeis, só vagas linhas permitem entre-ler a hecatombe que nos aguarda com a dissolução da família, que sai completamente desvalorizada. Assunto nada prioritário a que, de resto, o Presidente também se referiu de raspão.
sexta-feira, janeiro 1
Um conto moral
Depois da Accenture e da Gillette, a empresa de telecomunicações AT&T anuncia também a rescisão do contrato com Tiger Woods.
As empresas certamente não agem por considerações morais, porque não costumam tê-las, mas sim pelos resultados de sondagens sobre a aceitação pública da imagem que querem assumir. Esta história simples exibe dois aspectos interessantes do nosso património cultural que vale a pena notar: um, a elevada consideração que dispensamos ao casamento e ao compromisso monogâmico subjacente; outro, o tabu (surpreendente, sobretudo nos tempos que correm) que consiste em não aceitar que a nossa natureza é proclive à poligamia e à infidelidade.
O que sobra é positivo: que o amor monogâmico e fiel é uma coisa bonita, insusceptível mesmo, na ordem contemporânea das coisas, de troca por bens materiais. Paradoxalmente, é a imagem do amor fiel que tem valor de troca. A tal ponto que talvez quem a compre espere com ela apagar o rasto dos seus pecados e fraquezas, como a colaboração em gravações ilegais de comunicações telefónicas e internet ou a actividade persistente de suborno (lobbying, se preferirmos termos mais suaves). Que as escapadelas de Woods deitem por terra a sua utilidade branqueadora diz tudo sobre a gravidade da traição. Bígamos e devassos, arrepiem caminho enquanto é tempo. Ou então não se casem, se quiserem ser patrocinados por uma qualquer AT&T.
As empresas certamente não agem por considerações morais, porque não costumam tê-las, mas sim pelos resultados de sondagens sobre a aceitação pública da imagem que querem assumir. Esta história simples exibe dois aspectos interessantes do nosso património cultural que vale a pena notar: um, a elevada consideração que dispensamos ao casamento e ao compromisso monogâmico subjacente; outro, o tabu (surpreendente, sobretudo nos tempos que correm) que consiste em não aceitar que a nossa natureza é proclive à poligamia e à infidelidade.
O que sobra é positivo: que o amor monogâmico e fiel é uma coisa bonita, insusceptível mesmo, na ordem contemporânea das coisas, de troca por bens materiais. Paradoxalmente, é a imagem do amor fiel que tem valor de troca. A tal ponto que talvez quem a compre espere com ela apagar o rasto dos seus pecados e fraquezas, como a colaboração em gravações ilegais de comunicações telefónicas e internet ou a actividade persistente de suborno (lobbying, se preferirmos termos mais suaves). Que as escapadelas de Woods deitem por terra a sua utilidade branqueadora diz tudo sobre a gravidade da traição. Bígamos e devassos, arrepiem caminho enquanto é tempo. Ou então não se casem, se quiserem ser patrocinados por uma qualquer AT&T.
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