segunda-feira, dezembro 8

SMS

Todos os SMS de amor são ridículos.
Então deve ter sido assim: um dia, acordar e preparar-se para sair, John Haynes apercebe-se de um telemóvel esquecido na cómoda pequena do quarto de dormir. Não é Nokya, não, surpresa. Só pode ser de Alyona. Ela ainda dorme, John pressiona as teclas, incrédulo, um pânico ligeiro nasce-lhe na garganta e encorpa à medida que vê no pequeno ecran

Messaging
Inbox(0)
Ronaldo
Do you miss me baby? I miss you.

Depois percorre o resto da Inbox. São centenas de mensagens com o mesmo remetente. Como é que ela pode andar enrolada com um gajo destes, que escreve como um miúdo de sete anos, pensa. Mentirosa! Devia vir com um daqueles avisos como os maços de cigarros, "esta cabra pode por-lhe os cornos".

John, que se surpreende com estas coisas, poderá pensar por um breve instante que valia a pena ser traído se o outro forse alguém que escrevesse pérolas como:

Passeio pelo quarto evitando que o olhar abranja a cadeira onde te sentaste, a pequena peça Vista Alegre onde colocaste as pulseiras antes de fazermos amor. Todos os objectos me falam da tua partida e do absurdo da nossa separação. Mas mesmo sem os olhar os vejo: faltam-me as forças, caio no sofá de pele grená onde ainda há menos de duas horas me estendias os braços e me puxavas para ti. Não consigo lá ficar, levanto-me ; assim, em cada instante há um dos inúmeros "eus" que me compõem que ignora ainda a tua partida e a quem é necessário ensiná-la...*

Bom, um momento de reflexão basta para ver que um texto assim não cabe num sms. E afinal, na sua desarmante simplicidade, os sms de Ronaldo superam a qualidade de muitas falas de novelas da TVI, por exemplo:

Salomé, eu ainda não descobri o que é que tu me andas a esconder

ou

Dá um recado à tua amiga quando a vires: diz-lhe que eu vou encontrá-la nem que seja no fim do mundo

ou este espantoso trecho de diálogo

-Aposto que ela inventou esta história para ficar a sós com o amante. Se calhar nem foi para Lisboa...

-Ela tem de ser confrontada com isso.

Até a nível de enredo a mini estorinha de Haynes, Ronaldo e Alyona é mais subtil que as novelas da ficção corrente: parece que Alyona mentiu simultaneamente ao marido e ao amante.

*adaptado livremente de M. Proust.

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