quarta-feira, janeiro 30
Explicador, precisa-se
Não sei se a substituição do ministro da saúde foi um passo acertado de Sócrates. De acordo com os críticos mais influentes, não se infere que seria imperioso demitir o ministro. O que fazia falta era contratar um Explicador. Vale mais pensar nisso desde já, porque a nova ministra sem Explicador vai patinar no mesmo lodo.
domingo, janeiro 27
Religiões
Espanha e Portugal reconheceram recentemente o estatuto de associação religiosa à seita da Cientologia. Está aberto o caminho para as novas religiões do milénio. Parece-me que será ainda mais fácil o caminho para outras com mais adeptos e não menor espiritualidade:
-lutadores contra o aquecimento global
-militantes anti-transgénicos
-vegetarianos e macrobióticos
-guevaristas
-saudosos da URSS
-socialistas em general (exceptuado o PS)
etc.
-lutadores contra o aquecimento global
-militantes anti-transgénicos
-vegetarianos e macrobióticos
-guevaristas
-saudosos da URSS
-socialistas em general (exceptuado o PS)
etc.
A avaliação
Começou o tortuoso processo de avaliação dos professores dos ensinos básico e secundário, provocando receios e desespero em muitos docentes.
Ora, parece-me que se trata de medos injustificados. A Doutora Conceição Castro Ramos, presidente do CCAP (Conselho Científico para a Avaliação dos Professores) tem posições muito claras sobre como deve ser feita uma avaliação. Pelo menos no caso dos estudantes:
ela defende uma pedagogia para todos e uma pedagogia aberta à vida e a necessidade de desenvolver os alunos em actividades viradas para o desenvolvimento de processos complexos de pensamento e diz que esta nova pedagogia não se coaduna com um sistema de avaliação concebido com ênfase noutros pressupostos.
Acrescenta que mudou o sistema - que se pretende flexível, não selectivo e eficaz;
mudou o carácter permissivo da reprovação, que deu lugar ao carácter excepcional da retenção, porque numa escola básica, que não é selectiva,a a repetência deve ser uma medida de último recurso;
foi introduzida a articulação da avaliação dos alunos com a avaliação do sistema de ensino (avaliação aferida);
a dualidade da certificação;
foi reforçada a função formativa da avaliação, o papel dos alunos e encarregados de educação no processo e o desenvolvimento do sistema de apoio e complementos educativos. (Lido aqui.)
Por coerência com as suas ideias, a presidente do CCAP deverá propôr orientações para uma avaliação não selectiva e com certeza que a retenção em escalões inferiores vai ter um carácter absolutamente excepcional. A avaliação dos professores a que a senhora cientificamente preside só pode ser entendida na sua vertente formativa. Não há que entrar em pânico.
Ora, parece-me que se trata de medos injustificados. A Doutora Conceição Castro Ramos, presidente do CCAP (Conselho Científico para a Avaliação dos Professores) tem posições muito claras sobre como deve ser feita uma avaliação. Pelo menos no caso dos estudantes:
ela defende uma pedagogia para todos e uma pedagogia aberta à vida e a necessidade de desenvolver os alunos em actividades viradas para o desenvolvimento de processos complexos de pensamento e diz que esta nova pedagogia não se coaduna com um sistema de avaliação concebido com ênfase noutros pressupostos.
Acrescenta que mudou o sistema - que se pretende flexível, não selectivo e eficaz;
mudou o carácter permissivo da reprovação, que deu lugar ao carácter excepcional da retenção, porque numa escola básica, que não é selectiva,a a repetência deve ser uma medida de último recurso;
foi introduzida a articulação da avaliação dos alunos com a avaliação do sistema de ensino (avaliação aferida);
a dualidade da certificação;
foi reforçada a função formativa da avaliação, o papel dos alunos e encarregados de educação no processo e o desenvolvimento do sistema de apoio e complementos educativos. (Lido aqui.)
Por coerência com as suas ideias, a presidente do CCAP deverá propôr orientações para uma avaliação não selectiva e com certeza que a retenção em escalões inferiores vai ter um carácter absolutamente excepcional. A avaliação dos professores a que a senhora cientificamente preside só pode ser entendida na sua vertente formativa. Não há que entrar em pânico.
O difícil estado laico
O caso já não é novo, mas foi levantado há dias na Voz de Galicia: uma cadeia de matadouros vai produzir carne halal ou, em termos directos, vai abater animais por degolação e sem anestesia.
Ecologistas, defensores dos animais e alguns produtores protestam. O certo é que tudo se faz dentro de normas da UE, que permite estas práticas ao mesmo tempo que proíbe a matança tradicional do porco. Os governos muito ágeis na caça aos crucifixos e que se calam ruidosamente em casos como este não estão, afinal, muito preocupados com a laicidade. A guerra do estado aos símbolos religiosos só vale para os cultos em nome dos quais não há planos para fazer explodir comboios cheios de cidadãos.
Ecologistas, defensores dos animais e alguns produtores protestam. O certo é que tudo se faz dentro de normas da UE, que permite estas práticas ao mesmo tempo que proíbe a matança tradicional do porco. Os governos muito ágeis na caça aos crucifixos e que se calam ruidosamente em casos como este não estão, afinal, muito preocupados com a laicidade. A guerra do estado aos símbolos religiosos só vale para os cultos em nome dos quais não há planos para fazer explodir comboios cheios de cidadãos.
sexta-feira, janeiro 25
Adivinhe quem é o ministro
Ontem à noite, a SIC-Notícias exibiu uma conversa, a que deu o nome de entrevista, entre um senhor chamado Manuhcher Mottaki e uma senhora de nome Rebeca Abecassis. Entre outras coisas curiosas, a senhora disse, a certa altura: "Vários países possuem armas nucleares. Porque não há-de o Irão tê-las?"
A SIC anunciara que, na "entrevista", o ministro dos negócios estrangeiros do Irão, Manuhcher Mottaki, falaria dos novos acordos com Portugal e explicaria a posição do Irão em relação à bomba nuclear.
Penso que se tratou de um lapso da SIC. Fiquei convencido de que o ministro iraniano se chama Rebeca Abecassis.
A SIC anunciara que, na "entrevista", o ministro dos negócios estrangeiros do Irão, Manuhcher Mottaki, falaria dos novos acordos com Portugal e explicaria a posição do Irão em relação à bomba nuclear.
Penso que se tratou de um lapso da SIC. Fiquei convencido de que o ministro iraniano se chama Rebeca Abecassis.
segunda-feira, janeiro 21
Pontos de vista
Jacqui Smith, secretária do governo britânico, foi a Peckham comprar um kebab. Peckham é uma zona degradada de Londres, e a senhora Smith quis apagar a gaffe cometida uns dias antes, quando afirmara ter medo de andar nas ruas de Londres à noite. Com a sua corajosa ida a Peckham tentou devolver a confiança às hostes.
A história, contada no Guardian, pouco adianta. O Daily Mail foi saber mais e a investigação resultou numa versão mais engraçada. A senhora Smith foi de facto comprar um kebab a Pekham, mas à hora do chá e com guarda-costas.
sexta-feira, janeiro 18
terça-feira, janeiro 15
À espera de guião
A greve dos argumentistas parece continuar a provocar danos colaterais. Depois da anulação do espectáculo dos globos de ouro, outro espectáculo é atingido: a assembleia da Aliança de Civilizações com Zapatero arranca só com três chefes de estado e sem Antonio Banderas, George Clooney e Angelina Jolie, ao contrário do que tinha sido anunciado.
Choque fiscal sectorial
Um deputado do BE reconhece, afinal, que o choque fiscal pode reanimar a economia. Depois de ter votado favoravelmente a proposta de António Costa para isentar de taxas municipais a organização do Rock in Rio, José Sá Fernandes afirma, segundo o PÚBLICO de hoje: Se a Câmara cobrasse as taxas não havia Rock in Rio. Pode inferir-se agora por que motivo não haverá muitas outras coisas.
quinta-feira, janeiro 10
A escolha ardilosa
No Casamento Ardiloso, Cervantes conta a história do alferes Campuzano, de quem Dona Estefânia de Caicedo se acerca exibindo a sua rica casa; Campuzano, por sua vez, exibe o seu ouro. Decidem juntar os trapinhos, cada um acreditando fazer bom negócio. Um dia bate à porta Dona Clementa, acompanhada de Lope Armendárez. Estefânia implora a Campuzano que é preciso sair rapidamente, pois prometera a Clementa, uma boa amiga, emprestar-lhe a casa para que ela pudesse conquistar Armendárez. Pedem abrigo em casa de outra amiga de Estefânia. Estefânia acaba por fugir com o ouro de Campuzano e um amante, enquanto a hospedeira explica a Campuzano que a casa onde tinha vivido com Estefânia pertencia de facto a Dona Clementa. Campuzano só tem um consolo para a sua amargura: é que o ouro que mostrara a Estefania, para a conquistar, era falso.
As comédias onde todos enganam todos são clássicos. Já no tempo de Cervantes não eram originais.
PS (e PSD, já agora): O ponto fraco tanto de Alverca como do Montijo é já terem aeroportos construídos.
(Fotos em http://www.pelicano.com.pt/zmapa.html)
quarta-feira, janeiro 9
A praga dos portadores de desculpas
Está a ser organizada uma missão de desagravo a Ahmadinejad: um grupo de professores da Universidade de Colúmbia vai a Teerão apresentar desculpas pelo modo como o presidente do Irão foi tratado na visita recente àquela universidade. São professores de história, antropologia, filosofia e estudos islâmicos e do Médio Oriente.
Havendo na mesma instituição vários grupos que se interessam pelo mistério da problemática gay-lésbica-bi-tri etc, não se compreende que sejam deixados de fora da prestimosa delegação. Tanta falta de curiosidade científica fica mal numa universidade. Perdem uma oportunidade única para estudar um país onde não há gays.
Havendo na mesma instituição vários grupos que se interessam pelo mistério da problemática gay-lésbica-bi-tri etc, não se compreende que sejam deixados de fora da prestimosa delegação. Tanta falta de curiosidade científica fica mal numa universidade. Perdem uma oportunidade única para estudar um país onde não há gays.
domingo, janeiro 6
Paradoxos
Os laicistas abrigados em governos socialistas e suas organizações apoiantes transformaram uma sensibilidade comum a várias camadas da sociedade numa atitude sectária e burocrática ao serviço das suas utopias no âmbito da engenharia social. Em Portugal o facto não se nota muito, mas nos países europeus com grande imigração islâmica eles têm o rabo de fora: não são na verdade pregadores da laicidade, mas sim pregadores anti-católicos ou anti-cristãos. Na verdade, não só evitam criticar as práticas retrógradas do Islão como surgem frequentemente associados a iniciativas de "diálogo" com os que pretendem destruir o nosso modo de vida à custa de sucessivas cedências.
Curiosa e paradoxalmente, talvez o substracto moral da cultura ocidental, com as suas raízes cristãs, nunca tenha estado tão viva como no caldo de cultura socialista, tal como ele chega ao homem comum. Amamos, compreendemos e perdoamos o outro, mesmo que ele nos queira aniquilar. Se nos agridem, cedemos a outra face. Detestamos os ricos, esses malvados a quem está vedado o reino dos céus, e em nome da bem-aventurança dos pobres e oprimidos continuamos a venerar utopias que trazem consigo ainda mais opressão. Mesmo para a piedade ecológica pós-moderna encontramos como referente o santo de Assis que agora não poderá dar o nome a escola alguma.
Os nossos antepassados medievais, esses brutos pouco respeitadores das culturas diferentes, eram certamente menos cristãos. Sem a beligerância dos cruzados e de alguns monarcas europeus, a Europa poderia ser actualmente um mundo de mesquitas em vez de catedrais, um mundo de submissão e de mulheres com o rosto tapado .
Infelizmente, há sinais de que podemos resvalar silenciosamente em direcção a esse mundo escuro e triste. Entretidos a autoflagelar-nos pelos nossos pecados e a oferecê-los de bandeja como justificativo de agressões consumadas ou em preparação, os sinais vão passando quase despercebidos. Em 2004, a Espanha votou de modo não condicionado? Não sei. Que em 2008 alguém enterrou para sempre um certo rali, é certo. O caso em si parece de impacto limitado, mas fica bem claro que o método funciona. Habituados a contemplar a realidade como paisagem estável, não valorizamos as pequenas mudanças. Fala-se de "vitória do terrorismo" a respeito do Dakar sem convicção de que se trata de um passo minúsculo até à verdadeira vitória: a nossa aniquilação. Vamos esperar cristãmente, sentados, pela coacção que se segue.
Curiosa e paradoxalmente, talvez o substracto moral da cultura ocidental, com as suas raízes cristãs, nunca tenha estado tão viva como no caldo de cultura socialista, tal como ele chega ao homem comum. Amamos, compreendemos e perdoamos o outro, mesmo que ele nos queira aniquilar. Se nos agridem, cedemos a outra face. Detestamos os ricos, esses malvados a quem está vedado o reino dos céus, e em nome da bem-aventurança dos pobres e oprimidos continuamos a venerar utopias que trazem consigo ainda mais opressão. Mesmo para a piedade ecológica pós-moderna encontramos como referente o santo de Assis que agora não poderá dar o nome a escola alguma.
Os nossos antepassados medievais, esses brutos pouco respeitadores das culturas diferentes, eram certamente menos cristãos. Sem a beligerância dos cruzados e de alguns monarcas europeus, a Europa poderia ser actualmente um mundo de mesquitas em vez de catedrais, um mundo de submissão e de mulheres com o rosto tapado .
Infelizmente, há sinais de que podemos resvalar silenciosamente em direcção a esse mundo escuro e triste. Entretidos a autoflagelar-nos pelos nossos pecados e a oferecê-los de bandeja como justificativo de agressões consumadas ou em preparação, os sinais vão passando quase despercebidos. Em 2004, a Espanha votou de modo não condicionado? Não sei. Que em 2008 alguém enterrou para sempre um certo rali, é certo. O caso em si parece de impacto limitado, mas fica bem claro que o método funciona. Habituados a contemplar a realidade como paisagem estável, não valorizamos as pequenas mudanças. Fala-se de "vitória do terrorismo" a respeito do Dakar sem convicção de que se trata de um passo minúsculo até à verdadeira vitória: a nossa aniquilação. Vamos esperar cristãmente, sentados, pela coacção que se segue.
sexta-feira, janeiro 4
Pergunta
terça-feira, janeiro 1
O amor nos tempos de internet (14)
De regresso a Lisboa, parei para descansar na área de serviço de Grândola. Estava a sorver o café quando tocou o telemóvel: o Eduardo. “Pai, a mãe foi assaltada de esticão.” Pobre Margarida, pensei, já não bastava o azar que teve comigo.
Oh! Mas onde aconteceu isso?
A mãe e a Micky. Na rua do tio Ricardo. Almoçaram lá e iam entrar para o carro da Micky. Fugiram-lhes com as carteiras e arrancaram a pulseira à mãe.
Mas ela ficou mal?
Foi só o susto e um braço dorido, mas nada de cuidado. A desgraçada da Micky é que caiu ao chão e fez um hematoma na cabeça. Fui com ela ao hospital e acho que está sob controle.
A que horas foi isso?
Eram três e meia.
Mas como foi?
Dois tipos saíram de um carro, tiraram-lhes as malas e arrancaram logo no mesmo carro.
Já foram à polícia?
Eu vou agora com a mãe. Ela amanhã precisa do seguro do carro, ficou sem documentos.
Está bem, diz-lhe que não se preocupe, alguma coisa que for preciso eu trato logo de manhã.
Oh! Mas onde aconteceu isso?
A mãe e a Micky. Na rua do tio Ricardo. Almoçaram lá e iam entrar para o carro da Micky. Fugiram-lhes com as carteiras e arrancaram a pulseira à mãe.
Mas ela ficou mal?
Foi só o susto e um braço dorido, mas nada de cuidado. A desgraçada da Micky é que caiu ao chão e fez um hematoma na cabeça. Fui com ela ao hospital e acho que está sob controle.
A que horas foi isso?
Eram três e meia.
Mas como foi?
Dois tipos saíram de um carro, tiraram-lhes as malas e arrancaram logo no mesmo carro.
Já foram à polícia?
Eu vou agora com a mãe. Ela amanhã precisa do seguro do carro, ficou sem documentos.
Está bem, diz-lhe que não se preocupe, alguma coisa que for preciso eu trato logo de manhã.
Antes de voltar para o carro fui à casa de banho. Em frente do espelho, um homem alto e magro, aparentando ter mais ou menos a minha idade, chorava a soluços soltos. Perturbado com a minha entrada, baixou-se para o lavatório e começou a enxaguar o rosto e os olhos sob o jorro da torneira. Para minorar o efeito da minha intromissão, fechei-me num gabinete. Os soluços pararam logo e pouco depois ouvi o secador de mãos e o homem a sair. Saí também rapidamente e ainda vi o homem a entrar num Audi 8. Esperei que ele arrancasse e passasse diante do meu carro: no lugar do passageiro, uma mulher que me pareceu não ter mais que uns trinta anos gesticulava e discutia com ele aos berros. Entrei na auto-estrada atrás deles e por alguns minutos mantive-me atrás do Audi, intrigado e fascinado com o drama desconhecido de que tinha presenciado um sinal.
Porquê ou por quem teria chorado o homem? Que privação ou dor enorme lhe teria posto os olhos no estado em que o surpreendi no lavabo? Inevitavelmente, comparei-me com ele. Não me lembro de chorar mesmo depois do abandono pela Sofia, mas alguma coisa dentro de mim tinha passado por estados equivalentes aos olhos marejados do desconhecido. De modo diferente, mas igualmente dilacerante, tinha sofrido quando provoquei a minha separação da Margarida por causa da Sofia. Os momentos mais agudos já tinham passado para o lugar das memórias, mas a instabilidade da minha vida era suficiente para tornar penosas essas evocações. Por momentos, revi-me no homem que chorava: podia ser eu, no quarto ou quinto dia depois de a Sofia sair de casa, terminado o efeito anestésico que se segue ao momento das grandes perdas, com a dor a desabar em cheio, parecendo entornar fluidos amargos nas entranhas do corpo. Podia ser eu dentro de dias.
Tinha combinado com a Rita que nos reencontraríamos na segunda-feira: fui esperá-la às oito depois do trabalho e jantámos ali perto num restaurante com vista para o rio. O ambiente foi quase tenso, as palavras poucas e difíceis. A meio do jantar telefonou outra vez o Eduardo para dizer que precisava que lhe depositasse 500 euros e perguntar se podia levá-lo ao comboio no dia seguinte. Tinham-lhe marcado duas entrevistas em Coimbra, talvez uma possibilidade de estágio estivesse à vista, na empresa do Artur, e podia haver despesas inesperadas. “A que horas vais?” “Tem que ser o das oito, pai.” “Está bem, passo aí às sete e meia”. Sentia-me desfeito mas não podia negar-me. “Pode ser bom, mas ele tem que ter cuidado”, comentou a Rita. Cuidado? perguntei, intrigado. Claro que tem que ter cuidado. Ela sossegou-me: Não ligues.
As coisas azedaram inesperadamente na manhã seguinte. A Rita saiu cedo comigo, passámos em Alvalade e deixámos o Eduardo na gare do Oriente. “Pai, tens aqui uns papéis, vê lá se é importante”, disse ele ao sair. “Aqui no banco de trás.” Diabo do rapaz, pensei eu. “Boa viagem e dá notícias logo." A Rita tinha tomado conta do maço de papéis: notas de trabalho para a empresa e alguns recibos. “Olha, uma conta de restaurante em Lagos?” perguntou com ar de caso. “Não me disseste que ias a Lagos…”
É verdade, fui almoçar com um grande amigo do tempo de escola. A última vez que nos vimos ainda eu estava com a Margarida. Também se separou, há seis meses.
Ela preencheu com amargura e irritação um sorriso que significava: quem é que tu pensas que enganas?
“Ó amor, não te maces a inventar tantos pormenores. Quem comeu o arroz de marisco, tu ou ela?” comentou a Rita com ironia triste.
Oh, Rita, protestei. Não há nenhuma ela dentro dessa conta.
“Mas então porque não me disseste? Deves ter tido qualquer coisa mais interessante para fazer no passeio a Lagos.”
Rita, desculpa, foi uma estupidez da minha parte, as minhas idas e vindas são tão frequentes, não teria interesse para ti.
“Quer dizer que quando me ligaste no domingo depois de almoço estavas em Lagos, porque não disseste?”
Tens razão, não sei o que me passou pela cabeça para não dizer. De qualquer modo ias ficar com o teu pai no domingo, não tinha importância nenhuma.
“Não percebo é o que queres de mim”, disse ela em tom de desabafo desinteressado, “nem porque é que eu estou contigo, mas vou deixar de estar.”
Tomámos o pequeno almoço num café da 24 de Julho, sem trocar uma palavra, e eu segui para o escritório no Blue Garden. O novo seguro tinha de ser anunciado antes do Natal e era urgente pôr os meus problemas pessoais em banho-maria.
Porquê ou por quem teria chorado o homem? Que privação ou dor enorme lhe teria posto os olhos no estado em que o surpreendi no lavabo? Inevitavelmente, comparei-me com ele. Não me lembro de chorar mesmo depois do abandono pela Sofia, mas alguma coisa dentro de mim tinha passado por estados equivalentes aos olhos marejados do desconhecido. De modo diferente, mas igualmente dilacerante, tinha sofrido quando provoquei a minha separação da Margarida por causa da Sofia. Os momentos mais agudos já tinham passado para o lugar das memórias, mas a instabilidade da minha vida era suficiente para tornar penosas essas evocações. Por momentos, revi-me no homem que chorava: podia ser eu, no quarto ou quinto dia depois de a Sofia sair de casa, terminado o efeito anestésico que se segue ao momento das grandes perdas, com a dor a desabar em cheio, parecendo entornar fluidos amargos nas entranhas do corpo. Podia ser eu dentro de dias.
Tinha combinado com a Rita que nos reencontraríamos na segunda-feira: fui esperá-la às oito depois do trabalho e jantámos ali perto num restaurante com vista para o rio. O ambiente foi quase tenso, as palavras poucas e difíceis. A meio do jantar telefonou outra vez o Eduardo para dizer que precisava que lhe depositasse 500 euros e perguntar se podia levá-lo ao comboio no dia seguinte. Tinham-lhe marcado duas entrevistas em Coimbra, talvez uma possibilidade de estágio estivesse à vista, na empresa do Artur, e podia haver despesas inesperadas. “A que horas vais?” “Tem que ser o das oito, pai.” “Está bem, passo aí às sete e meia”. Sentia-me desfeito mas não podia negar-me. “Pode ser bom, mas ele tem que ter cuidado”, comentou a Rita. Cuidado? perguntei, intrigado. Claro que tem que ter cuidado. Ela sossegou-me: Não ligues.
As coisas azedaram inesperadamente na manhã seguinte. A Rita saiu cedo comigo, passámos em Alvalade e deixámos o Eduardo na gare do Oriente. “Pai, tens aqui uns papéis, vê lá se é importante”, disse ele ao sair. “Aqui no banco de trás.” Diabo do rapaz, pensei eu. “Boa viagem e dá notícias logo." A Rita tinha tomado conta do maço de papéis: notas de trabalho para a empresa e alguns recibos. “Olha, uma conta de restaurante em Lagos?” perguntou com ar de caso. “Não me disseste que ias a Lagos…”
É verdade, fui almoçar com um grande amigo do tempo de escola. A última vez que nos vimos ainda eu estava com a Margarida. Também se separou, há seis meses.
Ela preencheu com amargura e irritação um sorriso que significava: quem é que tu pensas que enganas?
“Ó amor, não te maces a inventar tantos pormenores. Quem comeu o arroz de marisco, tu ou ela?” comentou a Rita com ironia triste.
Oh, Rita, protestei. Não há nenhuma ela dentro dessa conta.
“Mas então porque não me disseste? Deves ter tido qualquer coisa mais interessante para fazer no passeio a Lagos.”
Rita, desculpa, foi uma estupidez da minha parte, as minhas idas e vindas são tão frequentes, não teria interesse para ti.
“Quer dizer que quando me ligaste no domingo depois de almoço estavas em Lagos, porque não disseste?”
Tens razão, não sei o que me passou pela cabeça para não dizer. De qualquer modo ias ficar com o teu pai no domingo, não tinha importância nenhuma.
“Não percebo é o que queres de mim”, disse ela em tom de desabafo desinteressado, “nem porque é que eu estou contigo, mas vou deixar de estar.”
Tomámos o pequeno almoço num café da 24 de Julho, sem trocar uma palavra, e eu segui para o escritório no Blue Garden. O novo seguro tinha de ser anunciado antes do Natal e era urgente pôr os meus problemas pessoais em banho-maria.
2008...
... entrando pela torre Super Bock.
(A torre Super Bock fica numa zona por enquanto livre, na Europa, onde se pode celebrar a passagem de ano sem receio de ataques terroristas em nome de Alá.)
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