O bispo D. António Marto lamentou, há poucos dias, que a estética esteja ausente em Fátima. Queria referir-se ao caos urbanístico e ao mostruário de bugigangas de inspiração religiosa que inundam as montras e as esquinas. Mas como podia ser de outra maneira? O kitsch que D. Marto execra começa na própria história das aparições, a ponto de a Igreja ser relutante a recomendar aos fiéis que a levem muito a sério. Se a história de Cristo já aparece aos nossos olhos de hoje como uma fábula que só a distância temporal permite normalizar, ela tem apesar de tudo um apelo poético e humano que lhe dá força: um deus feito igual a nós para sofrer como nós e nos “salvar” (não vale a pena perguntar de quê, pois matéria para lágrimas é o que menos falta neste mundo). Ao contrário da mensagem que se atribui ao filho, universal, positiva e radicalmente inovadora, a da Senhora está contaminada pela circunstância que lhe retira grandeza: meter-se na política da época e ao mesmo tempo mostrar um inferno prestes a ser desacreditado é um programa para esquecer. Mais vale acreditar que havia mesmo algum segredo que valesse a pena. Não fabrica evangelhos quem quer.
Não sei se D. Marto reparou, mas a violação da estética não está só em Fátima. Basta entrar na maioria das igrejas em hora de missa para o comprovar. A qualidade das homilias e da música que se ouve nos templos (com ou sem violas) é de estarrecer. Estou a falar do meu ponto de vista, claro, que admito que tenha alguma coincidência com o do bispo. Mas que outra coisa seria possível? Se o culto é para as “massas”, há que nos conformarmos ao gosto delas, que coincidirá já com o gosto da maioria dos padres, os quais vêm das “massas”. Naturalmente, as elites preferem Leonardo, Giotto ou Lucas Cranach às santinhas com corações trespassados em molduras de pechisbeque, e as paixões de Bach aos tristes e feios cânticos que não chegam ao céu, mas o problema é delas. Se a Igreja se revela incapaz de promover símbolos de qualidade (que possivelmente estariam de acordo com uma devoção de qualidade) o problema é dela.
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