domingo, setembro 28
Números
Há em França uma linha telefónica verde para assinalar perfis inquietantes de prováveis jihadistas. Foi também recentemente criado um departamento, no âmbito do ministério da Justiça, cuja designação é uma delícia estruturalista mas que fornece dados interessantes. O CPDSI, ou Centro de prevenção contra as derivas sectárias ligadas ao islão, tem informações provenientes de 130 famílias que atestam a radicalização dos filhos. São famílias sobretudo de classes média ou média alta: parece que entre as classes mais baixas a denúncia é evitada por receio de consequências. Os dados traduzem-se nos números seguintes: 80% de ateus, 60% de pais professores, 90% de classes médias e altas. A notícia está no Le Figaro.
domingo, setembro 14
Esta é boa
Quando Jesus se dirigiu à multidão desafiando quem estivesse livre de pecado para atirar a primeira pedra à adúltera, apanhou uma pedrada na cabeça. Ó mãe! gritou ele, quantas vezes te disse que ficasses em casa?
Lido no Café de Ocata.
Lido no Café de Ocata.
segunda-feira, setembro 8
A vida de Julie segundo um escrevedor genial
Antes de mais, acreditem que sou apreciador incondicional de
Balzac. Mas quando este verão me pus a ler a Mulher de Trinta Anos não sabia
que iria acabar por abandoná-la antes do fim, terá ela os seus cinquenta e
tais. Quem conhece o magnífico Tia Julia y el escribidor, de Vargas Llosa, perceberá
porque é que a evocação dessa novela fica presente na mente do leitor à medida
que avança na Mulher de Trinta. Mas não nos iludamos: Balzac tem um humor
subtil e não é daqueles que tem graça sem saber.
Mas, por muito boa que seja a escrita, achei que já tinha
aguentado guinadas e piruetas bastantes. Vamos ver. A primeira, suave, dá-se
quando somos informados de que Victor, com quem Julie casa por amor aos vintes
contra a vontade do pai, afinal não presta. Não lhe dá valor, é distante e
ainda por cima vaidoso, colérico e um mulherengo infiel. A rapariga é infeliz
até dizer chega. Apesar de não haver informação prévia nesse sentido, quem sou
eu para duvidar. Gente medíocre é o que há mais por aí. As longas ausências do
marido e um tal Lord Grenville a rondar a porta permitem o eclodir de uma nova paixão
às escondidas. Balzac trata-os de “aimants” mas informa que não chegam ao
conhecimento carnal. De resto, quando durante uma ausência de Victor isso
poderia estar quase a suceder, o marido volta a casa de repente e o Lord
refugia-se no parapeito exterior de uma janela para salvar a honra de Julie.
Sabemos duas páginas a seguir, pela fala de uma personagem secundária, que o
desgraçado terá morrido de resfriado. Victor nunca chega a suspeitar de nada:
não acha a mulher suficientemente boa para incendiar corações.
A morte de Grenville vai marcar os anos seguintes da vida de
Julie com o estigma da culpa. A filha, Hélène, não é fonte de alegria. Julie
não lhe consegue dar ternura. Mas eis que entra em cena Charles de Vandenesse,
em trânsito para o lugar de embaixador em Nápoles. Depois de comparações entre
o casamento e a prostituição, um romance platónico de Charles com Julie avança
e recua. Chega um momento em que as coisas aquecem a ponto de Charles, que
decide afinal ficar em Paris, tocar a mão de Julie e a beijar na face, mas eis
que de novo Victor entra inesperadamente. Diga-se de passagem que Victor não
percebe nada do que vê, e pensa que Charles desiste do lugar de embaixador para
não perder a oportunidade de caçar a herança de um tio bem colocado. (É burro,
coitado, não há nada a fazer, pensa Julie.)
O capítulo seguinte abre com uma cena que o narrador
descreve na primeira pessoa. Somos levados a presenciar o efusivo encontro de
Julie e Charles num belo enquadramento do Paris moderno. Há duas crianças:
Hélène e Charles, irmão mais novo e com traços físicos diferentes. Charles é
loiro como o outro Charles. (Como o marido não percebe nada, teve a lata de pôr
à criança o nome do amante, pensa o leitor.) A menina recusa-se a brincar com
ele e a mãe enfurece-se com ela. Quando a mãe se despede do amante, Hélène afasta-se
e o irmão pergunta-lhe porque é que não vem despedir-se do seu bom amigo.
Hélène lança-lhe “o mais horrível dos esgares que jamais se viu nos olhos de
uma criança” e empurra o menino, que desaparece na corrente do riacho.
Não ficamos a saber como terá Julie explicado lá em casa a
funesta ocorrência, o que daria para um outro romance. A acção avança três
anos, estando Julie e Charles a jantar com um notário e mortinhos para ele se
ir embora para aproveitarem a ausência de Victor (um paradigma situacional),
que fora ao teatro com os filhos (Hélène e Gustave). Mas antes da saída do
notário eis que de novo, inesperadamente, entra Victor com os miúdos. A peça de
teatro andava à volta de um drama numa torrente, e Hélène, pelas razões que o
leitor sabe mas Victor não, tinha-se sentido muito mal.
Passam mais alguns anos e estamos na casa de campo de Victor
e Julie, que agora têm mais dois filhos, Abel e Moina. É noite de natal e um
aflito toca à porta: o homem está a ser perseguido pela gendarmerie e Victor
dá-lhe guarida por duas horas no sótão. Os gendarmes chegam, dizem que há um
assassino em fuga e, enquanto Victor fala com eles e garante que não viu
ninguém suspeito, Julie manda Hélène ver quem é o estranho. Daí a pouco Hélène
e o assassino descem à sala e anunciam nem mais nem menos que vão fugir juntos.
Logo a seguir ficamos a saber que isto foi apenas um aviso
do destino. Um desastre financeiro arrasta a ruina de Victor, que é obrigado a
emigrar para reconstituir a sua fortuna. Seis anos depois regressa a França num
navio espanhol. Na aproximação a Bordéus o barco é abordado por um navio
pirata. Victor escapa de ser lançado ao mar porque o capitão do navio pirata o
reconhece: é nem mais nem menos que o assassino com quem Hélène fugira. Victor
reencontra no navio pirata nem mais nem menos que a filha Hélène, no posto de
mulher do capitão, enfeitiçada pelo companheiro como na noite de natal em que
se tinham conhecido. O pai despede-se da filha enquanto o barco onde tinha
viajado se consome em chamas atiçadas com garrafas de rum.
Meses depois de ter recuperado a fortuna, Victor morre,
cansado da vida. Julie leva a filha Moina a viajar aos Pirinéus. Hospedam-se
num hotel onde não conseguem dormir à noite, porque no quarto ao lado uma
criança geme sem parar. No dia seguinte vão ver o que se passa: a hóspede é nem
mais nem menos do que Hélène, e a criança que geme o único filho que conseguira
salvar de um naufrágio. À vista de Julie e Moina, morre o menino e morre
Hélène. Esta deixa à irmã um aviso: não se encontra a felicidade fora das leis.
Cerrados os olhos de Hélène, Julie explica melhor: uma menina não encontra
nunca a felicidade numa vida romanesca, fora das ideias com que foi educada e,
sobretudo, longe da mãe.
No início da última parte (“Velhice de uma mãe culpada”)
sabemos que Gustave e Abel faleceram e que Julie, embora parca em afectos, fez
o seu melhor para garantir o futuro tranquilo de Moina. Este instante de
tranquilidade relativa, não sei se fugaz, pareceu-me uma boa altura para o leitor
se retirar. Nem mais nem menos.
sábado, setembro 6
sexta-feira, setembro 5
Depoimentos
De Paulo Penedos disse Mário Soares, em depoimento escrito enviado à juíza titular do Face Oculta, que se tratava de "uma pessoa séria, inteligente e conscienciosa".
A propósito de José Penedos afirmou Jorge Sampaio, como testemunha abonatória, "Quem é influenciado e afectado [pelas ofertas], é porque não tem capacidade moral. Não quero com isto dizer que não haja pessoas que tentem fazer coisas menos dignas, mas não é o caso da pessoa por quem vim depor".
Estas palavras de apoio, mesmo cautelosas, não têm nada de extraordinário em si mesmas, até porque o conhecimento e mesmo a proximidade de uma pessoa não nos dá acesso a todas as facetas do seu comportamento.
No entanto, dado o peso político e institucional das pessoas que as proferiram, é óbvio que se tratou de usar o prestígio e a autoridade moral de que gozam em favor dos visados no processo. E sabemos agora que em alguma coisa que em nada os recomenda eles estiveram envolvidos, dada a relativa dureza das penas ontem anunciadas.
É inevitável que olhemos com muita cautela para as opiniões e posições de apoio de figuras como estas, que mostram dificuldade em ler a realidade para além da aparência mais imediata.
(É certo que sobre Vara nem Sampaio se enganou, após o escândalo ocorrido com uma Fundação que usava Rodoviária no nome. Mas nem isso parou a ascenção de Armando: pelo contrário, mão amiga se encarregou de o catapultar. A história está recordada aqui. )
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